terça-feira, 6 de março de 2018

Não é só nossa carne que é fraca...


Por: José Boas

E foi deflagrada mais uma tentativa de vencer a corrupção no Brasil! Foi deflagrada mais uma vez... para que nosso sistema jurídico, com todos os seus direitos e seguranças, garanta a essa gente que pouco ou nada pensa no Brasil e seu povo, todos os benefícios a dúvidas, recursos, defesas... foi deflagrada mais uma ação que enche o brasileiro de esperança, mas que – no fim – sempre dará no mesmo: uma multa irrisória diante da fortuna desses tais, nenhuma cadeia, o povo indignado e o nome de um país jogado no esgoto.

Não se trata de verificar se nossa carne é fraca; não se trata de investigar se existem trapaças na hora em embalar frangos contaminados para fora do Brasil; não se trata de absolutamente nada disso... se trata, enfim, de um país que não consegue se livrar de sua Síndrome de Maracutaia, baseada na “Lei do mais esperto”, sob os auspícios do “mais malandro” que passa a perna no “mais mané”... e dizemos que isso faz parte da “identidade nacional”!

Ainda somos uma sociedade que se orgulha de sua malandragem, de seu poder de ludibriar quem é menos afortunado nos dons da safadeza e da pequena bandidagem

Nossa carne é fraca, no frigir dos ovos, porque nosso código moral é um fiasco! Nossas trapaças do dia-a-dia, as pequenas trapaças, encobrem que todos nós, uma hora ou outra da vida, já pensamos em ser um pouco “BRF”... e por isso nossa indignação é seletiva, relativa e a canto de boca!

A BRF errou e feio! Errou não só com sua reputação como empresa, mas errou como símbolo de um país que procura se colocar como agente econômico de um mundo que não tolera esse tipo de comportamento de quem quer ser grande, pois entre os grandes não existe espaço para esse tipo de coisa!

Nesse jogo de "espertezas", não engolimos apenas carne contaminada, carne podre... podre é nosso poder, nosso código legal, nosso ordenamento jurídico... tudo que compõe uma sociedade que não se leva a sério!

Ao insistir no erro – insistir, sim, pois desde o primeiro momento da operação Carne Fraca o nome da BRF foi citado! – a BRF mostrou-se indigna de ser reconhecida como uma empresa de porte internacional! Se mostrou apenas uma empresa inchada, não grande! Uma empresa composta por milhares de mãos e pernas, algumas cabeças, mas nenhum caráter, nenhuma ética, nenhum valor... se mostrou empresinha, boteco, que não sabe escolher seus administradores sob qualquer critério que lhe agregue valor.

Nossas empresas, pouco importando seu tamanho, ainda se enxergam e se tratam como botecos... tratam seus clientes com o desrespeito com que se trata um bêbado em fim de noite, que come e bebe qualquer coisa que se lhe jogue à frente...

O problema, porém, não é a BRF... ela é apenas o boi-de-piranha da vez! O problema reside em todas as empresas brasileiras que, tal qual a BRF, se portam como se não tivessem um nome a zelar; como se sua reputação tivesse sido achada na sarjeta e para lá pode voltar a qualquer momento, sem nenhum pesar, nenhum remorso, nenhuma pena... empresas que, independentemente de seu tamanho e da quantidade de pessoas que empregam, continuam a tratar a si mesmas como boteco, como “secos e molhados do seu Juca”, empresinha que morrerá junto com seu dono... e se elas se veem como boteco, tratam seus clientes como pinguços, gente sem valor, que come e bebe qualquer coisa.

Assim se vê a BRF; assim nos vemos nós! Assim, enfim, vemos o Brasil como sociedade!

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O Brasil das dicotomias (campo X cidade) nunca sairá da rabeira do progresso mundial

Texto: José Boas

Em artigo publicado recentemente pelo site da Confederação Nacional da Indústria – CNI, o presidente da entidade, Robson Braga de Andrade afirmou que o setor industrial é fundamental para a criação de postos de trabalho e qualificação da mão-de-obra.

Sem dizer nomes, Braga de Andrade disse que “um destacado membro da equipe econômica do atual governo afirmou que não é relevante se o Brasil exporta produtos manufaturados ou agrícolas”, criticando a postura do burocrata e lembrando que a indústria nacional representa 21% do PIB brasileiro, 55% de nossas exportações, 66% dos investimentos nacionais em pesquisa custeados pela iniciativa privada e mais de 30% do total de tributos arrecadados pelo Governo Federal.

Só nas mentes de quem não conhece a realidade produtiva do Brasil atual é que o espaço agro e o industrial estão separados! O Brasil não vive mais uma dicotomia "espaço urbano" X "espaço rural" ... isso só funciona nas cartilhas das escola da "tia" Marocas

De fato, a reclamação do presidente da CNI faz todo o sentido e é assustador – se for verdadeira a afirmação – de que um membro do alto escalão do governo tenha afirmado uma coisa dessas! Somente em mentes muito pequenas ainda há uma dicotomia entre o que é agro e o que é indústria, principalmente em um país com as potencialidades econômicas como as que tem o Brasil!

O Brasil precisa, de uma vez por todas, desenvolver mentes que escapem do pensamento típico do socialismo europeu do início do século XX: a dicotomia ou “chão-de-fábrica” ou “lavoura” (lembremo-nos do símbolo mais conhecido dos comunistas - uma foice e um martelo), e ingressar em uma realidade na qual todo o resto do mundo já está inserido ou busca a todo custo penetrar; isto é, não existe mais uma fronteira clara entre campo e cidade, roça e metrópole,  a charrete e o carrão...

O Chico Bento contemporâneo têm à sua disposição - e sabe manusear - todos os artifícios tecnológicos que a Mônia usa... e os usa para ganhar dinheiro!

Façamos um exercício de imaginação: pensemos em um sujeito completamente urbano, que nunca saiu de sua metrópole para nada (daqueles que acham que frango é aquela carne que cresce dentro do saco plástico da Sadia e leite é aquele líquido que vem dentro da caixinha Tetra Pak...) e façamo-lo visitar uma lavoura do Brasil atual. Eis o que ele encontrará em nossa “roça”: colheitadeiras e plantadeiras que são guiadas por GPS, tratores autônomos, drones fazendo todo tipo de tarefa (contando cabeças de gado, fazendo georreferenciamento, pulverizando plantações de todos os tipos, vigiando propriedades rurais contra bandoleiros), verá nosso “Chico Bento” contemporâneo sentado à sombra se sua goiabeira preferida enquanto verifica com seu corretor (que está em qualquer parte do mundo) via whatsapp, o melhor momento de vender sua safra para o mercado interno ou externo... Só na cabeça medíocre de quem olha para um Brasil “república velha” é que campo e cidade ainda caminham separados e não dependem um do outro!

Trator autônomo Case IH Magnum - pra quê tratorista, se o satélite faz o mesmo trabalho?
A indústria chegou ao campo e ambos são praticamente a mesma coisa!

Quando eu era menino – lá pelos meus 16 anos de idade – e saí do interior de Mato Grosso para ir estudar em Brasília-DF, me deparei com uma figura engraçada: um filhote de “aspone de carreira” (Aspone = Assessor de Porra Nenhuma) lá da Esplanada dos Ministérios se achando “rico” porque seu pai havia comprado um carro de R$ 200 mil (valores atuais); pensei com meus botões, então... se esse Zé Ruelas se acha “rico” por ter um carro nesse valor, o que são os agricultores que eu conheço que compram colheitadeiras de R$ 1,5 milhão e aviões pulverizadores de R$ 3 milhões?

O Brasil só entrará no século XXI quando entender que determinadas dicotomias só são viáveis e aceitáveis nas cabeças e nas ideologias de quem não entende nada, absolutamente nada, de realidade!

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Somos positivistas... lamentavelmente, positivistas!

Odiamos o concreto, o histórico, o que demanda conservação, o que exige um determinado comportamento referencial... nossa base cultural é, enfim, não ter base nenhuma.

Por: José Boas

Somos um povo que, salvo honrosas ilhas de exceção, odeia qualquer tipo de tradição ou tem cuidado com seu passado. Sim, reconheçamos, detestamos tradições; torcemos o nariz para as essências; queremos reinventar a roda e redescobrir o fogo todos os dias segundo as nossas próprias experiências, erros e tentativas... e mais erros, até acertarmos, quase que por acidente!

Pelourinho, em Salvador-BA, para fora do circuito turístico: preservar para que mesmo?!

Neste ponto o positivismo, ideologia francesa que só encontrou ouvidos no Brasil e que nos presenteou com a magnífica república que temos hoje – ágil, inteligente, eficiente, progressista ... só que não! – fez bem o seu papel: nos ensinou a torcer o nariz para tudo que parecesse “velho demais”. Erramos (mas com orgulho, diga-se de passagem!) ao achar que nosso próprio passado nada tem a nos ensinar; para nós História não é ciência, é conhecimento bobo, praticamente sem serventia... coisa de “filósofo”, uma espécie de “adorno intelectual”.

Benjamin Constant, positivista, julgava que os olhos voltados cegamente para frente levariam a sociedade brasileira a um patamar de "ordem e progresso". Até hoje não chegamos lá

Esse desprezo à essência, ao passado, àquilo que deveria nos servir de base para os acertos e de lição para os tropeços, se mostra evidente ao observarmos a deterioração de boa parte de nosso patrimônio histórico, quer seja na igrejinha secular da vila ou no palacete da metrópole... “coisa velha! Deveria ser demolida para dar lugar a algo mais moderno!”. Mas esse positivismo todo não fica no físico, se alastra por nosso ethos: odiamos o cerne, o efetivo, o conceitual, o concreto das coisas... preferimos o aparente, o relativo, o maleável, aquilo que não tem uma forma definida, pois assim podemos burlar, darmos uma de “joão-sem-braço”, podemos esconder nossa falta de especialização e de conhecimento sob o véu do “jeitinho”... podemos dizer que “a lei não pegou”, que somos “católicos não-praticantes com simpatia pelo candomblé e pelo budismo”, que podemos “fazer uma gambiarra aqui ou acolá, se ninguém estiver vendo”.

Há quem chame qualquer gambiarra de criatividade... na verdade a gambiarra é o "quebra-galho" diante das dificuldades; é a solução precária diante da impossibilidade de ter o necessário

Pero de Magalhães Gândavo, um desses portugueses malucos que resolveram abandonar a Europa para aventurar-se nas matas daquele tal “Mundo Novo” do qual tantos falavam, talvez deixasse brotar no canto da boca um daqueles sorrisos maliciosos (com uma ponta de orgulho), que muitos traduzem na frase: “eu não disse?”. “Eu não disse que essa gente não tem fé, não tem lei e não tem rei?”...

Não temos isso porque tudo isso demanda tempo, burilamento, aperfeiçoamento, trato com o total, observância a costumes, raízes morais, teias simbólicas e amarras de coerção social... nada mais avesso ao nosso amado positivismo do dia-a-dia.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Privatização: que bicho-papão é esse?!

Ao falarmos de privatizações, muitos torcem o nariz, acham que estamos falando algum tipo de palavrão... mas que bicho-papão é esse e a quem ele atacaria?


Por: José Boas

O Brasil passou um largo período de sua história republicana estatizando tudo o que fosse possível! Do período Vargas até o final do período militar (e aí se vão 55 anos de nossa História), estatais brotavam do chão como que por milagre, bastava um canetaço vindo do Catete ou do Planalto e, voilà!. Se tinha potencial econômico, meu amigo, podia ter certeza... lá estava o Estado:

Quer comprar um trator? Compre um CBT; Precisa de um caminhão? Que tal um “cara-chata” da FNM (se pronunciava Fênêmê – assim mesmo, com todos os “ee” fechados); Está atrás de uma casa? O BNH resolve seu problema com prestações a perder de vista (e saldo devedor impagável); À procura de ferro para a sua indústria? Disk-CSN!; A despensa da casa está precisando ser reposta? Cobal nela! Está longe da namorada e quer fazer uma ligação? O Sistema Telebrás resolve o seu problema! Quer mandar uma carta para a tia Gertrudes lá em Três Arroios-RS? Os Correios estão aí para te servir...

Sindicalistas, políticos e sindicalistas que sonhavam em se tornar políticos... eis a fina flor dos que sempre defenderam a existência das estatais

... e assim fomos nos acostumando a ver o Estado como um ser acima da economia, da sociedade e do nosso próprio poder de escolha. O Estado era total, estava em nossas vidas, quiséssemos ou não; detinha o poder de emitir moeda e de arrecadá-la no dia seguinte com seus tentáculos econômicos pulverizados por todos os cantos do país. Todos reclamavam dos serviços prestados pelo Estado, mas recorriam a ele como um quebra-galho (era ineficiente, mas ao menos estava ali, dizíamos)... e fomo-nos acostumando aos “quebra-galho” das estatais ou à simples imposição, quando delas era o monopólio sobre determinada exploração ou serviço: Telebrás, Petrobrás, Vale do Rio Doce... e por aí vai.

Cabide de emprego: experiência profissional nos municípios, nos estados e no governo federal

Com as estatais logo surgiram duas classes que se acostumaram demais à sua existência e às facilidades que elas geravam para, digamos, “se ganhar a vida”: a primeira classe era a dos políticos, que viam nas estatais um mundo sem fim de cargos comissionados prontos para serem ofertados a correligionários e usados como moeda de troca em período eleitoral (qualificação para o posto pretendido era outro departamento!); a segunda classe sempre foi mais barulhenta e atende pelo nome de sindicato... líderes sindicais ganharam a vida sem nunca terem prestado um dia sequer de real serviço à sociedade no ramo econômico ao qual dizia pertencer (um deles se tornou presidente da república, lembremos), mas fizeram muitas greves, muitos piquetes, muitos comícios... muito, muito barulho em busca de “direitos” aos seus representados (tudo, logica e devidamente, custeado pelo bolso do contribuinte).

Naturalmente que, vendo o Brasil ficar para trás em muitos quesitos, algumas pessoas começaram a ver as estatais como um empecilho ao verdadeiro crescimento econômico. Começamos a exigir privatizações! E daí, voltando ao começo de nossa conversa, surgiram aqueles que viam as privatizações como um bicho-papão, “entrega do patrimônio nacional”, “venda do que é do povo”, “destruição daquilo que é mais genuinamente brasileiro!”... e baboseiras afins. Só que estes mesmos se esqueciam de dizer que nada disso, nenhuma dessas empresas, NUNCA FOI do povo de fato, pois o povo nada podia fazer para melhorar os serviços prestados, sugerir melhorias, boicotar maus serviços... o povo podia agradecer o que lhe entregavam, mesmo que de péssima qualidade.

Um cargo comissionado era como um presente ou uma outorga de poder que fortalecia tanto o que recebia quanto o que concedia... as estatais sempre foram um grande celeiro de cargos comissionados

Todas as estatais estavam presas em teias que envolviam políticos sedentos por poder e sindicalistas querendo se tornar políticos sedentos por poder... note, leitor (a), que são sempre as mesmas vozes, até hoje, a se levantar contra qualquer murmúrio sobre privatização de alguma companhia: é um político há anos no poder, ligado a algum sindicato ou Central Sindical, que por sai vez administra milhares ou milhões de reais em imposto sindical de alguma empresa estatal...


... deu para entender quem tem medo desse bichop-papão?!

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Micro-empresário, um herói no Brasil dos descalabros

“O micro-empresário é, acima de tudo, um forte!”

Texto: José Boas

Embora o Estado – da União às prefeituras – viva gritando aos quatro ventos que apoia e quer o desenvolvimento das micro e pequenas empresas brasileiras, a realidade está muito longe de ser esta.

Em primeiro lugar, estes heróis que sustentam a empregabilidade no Brasil só são lembrados em tempos de corridas às urnas (sejamos honestos quanto a isto!); em segundo lugar, se eles fossem verdadeiramente valorizados, sua carga tributária seria menor, o acesso a insumos e programas de crédito seriam mais acessíveis e a circulação de mercadorias (que facilitariam em muito a produção) seria facilitada... mas vejamos nossa realidade:

O Estado paternalista acostumou-se a tirar de quem produz para sustentar seus programas populistas e eleitoreiros... a sociedade custeia, os políticos lucram

A maioria dos nossos empreendedores não consegue fazer sua empresas sobreviver mais do que dois anos, pois os valores cobrados apenas para custear a burocracia e a aquisição dos bens de produção já são tão altos que seu capital de giro – que poderia até ser considerável – se torna uma fumaça no meio de um incêndio; outro problema é que nosso sistema tributário – embora viva dizendo o contrário – não diferencia o pequeno do grande, confundindo o pequeno padeiro do interior com a grande rede de supermercados espalhada pelas capitais; além disso, fora a hipocrisia governamental, o Estado quer determinar até quantos empregados o micro-empresário pode ter em seu quadro para ser considerado “micro” e receber os “benefícios do Estado” (como o SIMPLES, por exemplo)... convenhamos, haja desfaçatez!

O tamanho do Estado determina o tamanho da carga tributária para sustentá-lo... a grande pergunta é: o que este Estado, deste tamanho, faz por quem o sustenta? Ele vale tudo isso?!

Peguemos o exemplo de Lucas Cardoso, dono da Padaria do Cerrado, em Lucas do Rio Verde-MT. Cardoso é um herói... acorda às 4h todos os dias, prepara sua padaria para atender seus clientes, deixa tudo organizado e limpo, atende bem, está sempre sorrindo... e paga a mesma taxa de importação do trigo, ICMS sobre equipamentos, Previdência para seus empregados, taxa de IPTU para o município.... tudo igual ao Carrefour, que tem lojas enormes nas principais capitais do Brasil, que pode comprar cargas fechadas de farinha de trigo, fermento, ovos, açúcar, sal...  negociar preços até 25% mais baixos que os praticados pelo mercado, manter estoques que os protegem de eventuais variações bruscas de alíquotas e preços... concorrência desleal? Segundo a Receita Federal e as Secreatarias de Fazenda dos estados... não! Ambos podem arcar com os mesmos custos, com as mesmas taxas, com as mesmas exigências burocráticas, mesmo vivendo realidades tão diferentes.

Eis o porquê de eu começar este texto parafraseando Euclydes da Cunha, o grande jornalista e topógrafo, autor de "Os Sertões" ... "o micro-empresário é, acima de tudo, um forte!".

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Somos um povo viciado em imprecisões

Um povo que tem o “mais-ou-menos” como estilo de vida, não pode esperar um futuro excelente
Por: José Boas

Conversando com meu amigo Vladmir (que hoje mora na Polônia) e meu tio Osvido, fui chamado a prestar atenção em um traço cultural muito interessante, típico do povo brasileiro: um amor quase doentio à imprecisão!

Sim, somos um povo que ama ser impreciso; uma gente que adora tratar a vida com a mesma responsabilidade com que um médico bêbado opera um tumor no cérebro de seu paciente... e, se algo der errado dentro da roleta russa de nosso algorarítimo de imprecisões múltiplas, “damos um jeitinho”.

Walt Disney foi cirúrgico ao descrever a cultura brasileira através de Zé Carioca: simpático, sem um emprego certo, sem nenhuma qualificação, malandro...


Até a nossa Constituição atual, a mais longeva de todo período republicano (das seis que o período já teve até agora) vive de remendos, de “emendas”, de ajeitos, de arranjos... e há quem diga que isso dá “maleabilidade” ao ordenamento jurídico nacional. Ora, se isso for verdade, então o monstro de Frankenstein deve ser o protótipo do ser humano ideal!

O fato é que o concreto, o exato, a pontualidade, o mensurável... tudo isso incomoda muito a índole do brasileiro médio. Quer ver um brasileiro típico ficar chateado? Diga a ele que está atrasado cinco minutos para um evento ou um encontro! Diga a ele que a medida certa é 99 cm e não 1m! Diga a ele que a distância que precisa ser percorrida é de 3,4km e não de 3km... exija alguma exatidão, algum esmero, algum refinamento.

Macunaíma, interpretado por nosso genial Grande Otelo... Mário de Andrade e sua antropologia cristalina e certeira

O ethos brasileiro é forjado no mais fino macunaimismo! Cedo é entre as 06h e o meio-dia; depois é “tarde” até anoitecer e, depois... é noite; as leis são cumpridas segundo as medidas, os interesses e as interpretações de cada um; o espaço público não é de todos, mas do governo... e como “governo” não é gente, e não sendo de ninguém, pode ser depredado!

Um povo que vive sob um regime assim, neste mais-ou-menos, não se profissionaliza, não se qualifica, estranha a proposta de desejar ser o melhor em seu ramo... porque tudo isso demanda trabalho, esforço, dedicação, empenho, frequência... nada mais anti-Macunaíma; nada mais anti-malandragem; nada mais anti-jeitinho... um povo que vive assim, jamais encontrará excelência em absolutamente nada, será sempre amador, quebra-galho, mela-mão, o mexeriqueiro “faz-tudo”. Já o inverso disso, o persistente, o profissional, o exigente, o preciso, o analítico, o exato, o criterioso... esse é estranho, “caxias”, metido, chato.

Severino, o Quebra-galho... típico mal-formado, "pau-pra-toda-obra" que, por medo de perder seu emprego, se sujeita a qualquer atividade imposta por seu patrão


O mais estranho nisso tudo, no entanto, é que quando exigido desse mesmo povo uma medida de qualidade, a referência é sempre uma outra cultura, um outro sistema que, de alguma forma, respeita condutas e determinações como algo relevante: “ahhh, mas nos Estados Unidos”; “olha, se estivéssemos no Japão...”; “Sabe, quando eu estive na Alemanha”... Existem referências de precisão, mas elas são sempre boas para os outros! Funcionam lá fora como se fosse por um tipo de energia mágica, algo inatingível, embora desejável (mais ou menos desejável, pois tamanha precisão, não sei não...).

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Estado-Pai ou Estado-tirano?

Por: José Boas

O Brasil, durante sua existência como Estado (a partir de 1815, quando se tornou Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves até o presente), passou por diversas fases e seu relacionamento com a esfera produtiva de nossa sociedade (empreendedores e assalariados) mudou com ele.

Durante quase todo o século XIX, nossos empresários e trabalhadores estavam por sua conta e risco dentro do mercado de trabalho... para o bem ou para o mal, a prosperidade ou a bancarrota era responsabilidade sua

Primeiro, de dezembro de 1815 até novembro de 1889, nosso Estado tendia a um viés liberal: cobrava alguns impostos para manter sua máquina burocrática em funcionamento, mas no mais das vezes – para o bem e para o mal – pouco se enfiava na vida da iniciativa privada. Se um cidadão, por suas forças e seus riscos, abrisse uma quitanda para vender laranjas, que sobrevivesse delas ou que abandonasse o negócio... tudo era problema seu. Foi nesse clima que o Visconde de Mauá, os irmãos Rebouças e José do Patrocínio abriram seus negócios e prosperaram...

Em seguida veio o golpe da república, os “barões do café” tomaram o poder e começaram a ditar os rumos da economia, geralmente guiados pelo patrocínio de suas fazendas às custas do dinheiro público: eis o porquê de Ruy Barbosa chamar a primeira geração do Senado da república de “balcão de negócios”... foi o primeiro ataque voraz aos nossos cofres públicos para fins privados.

Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Luiz Inácio... Lula ... os maiores ícones do Estado-Pai do século XX

Mais tarde, em 1930, fundou-se o Estado paternalista de Getúlio Vargas, que tudo gerenciava, tudo providenciava, tudo gerava; como um ente supremo, um ser “ex machina, o chão de onde tudo deveria vir: educação, saúde, segurança, emprego, comércio, pesquisa, transporte, lazer, administração de conflitos... tudo deveria ter a mão do Estado para “funcionar bem”, aos moldes do que igualmente ocorria na URSS de Stálin, na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini... tínhamos um Estado “papai”. Os cidadãos até tinham direitos e se dizia que tinham liberdade... mas aos olhos do Estado não estavam aptos a exercer nem um, muito menos outra.

E nos acostumamos a ele pela repetição: este paternalismo estatal se reafirmou em 1937 (Estado Novo), depois com os 50 anos em 5 de JK, depois com o período militar (1964 a 1985) ... e dele não conseguimos sair até hoje. Nos viciamos em um Estado que tudo oferece, como o Coronel que alimenta com abóboras, farinha e carne seca o Jeca Tatu ... e o Jeca lhe é grato por isso!

Um Estado que tudo controla, tende a se tornar - com o tempo - um Estado que tudo domina, inclusive a consciência das pessoas. Submeter-se a ele é submeter-se a um tirano

Reclamamos quando o Estado não oferece escola, hospital, policiamento... mas vamos além: reclamamos quando ele não nos dá transporte, estradas, empregos, aumento de salário, vias de exportação, energia elétrica, espaços de lazer, internet, previdência social... nos tornamos criaturas do Estado, abandonamos nossa condição de cidadãos livres, pensantes e produtivos para vivermos trabalhando para uma máquina gigantesca, grotesca, ineficiente, que suga nosso sangue e nos devolve apenas migalhas... e somos gratos quando as recebemos!


Hoje somos viciados em um Estado que nos alimenta de sobras, mas não dos desvencilhamos dele porque não sabemos – e muitas vezes fugimos da responsabilidade de – tocarmos nossas próprias vidas, sem as frágeis muletas que os governos e os políticos de plantão nos oferecem, sempre em troca de uma promessa de votos nas próximas eleições... somos uma sociedade que vive uma Síndrome de Estocolmo incubada, silenciosa e que evidencia uma vergonhosa paixão e uma triste dependência de seu algoz!

Não é só nossa carne que é fraca...

Por: José Boas E foi deflagrada mais uma tentativa de vencer a corrupção no Brasil! Foi deflagrada mais uma vez... para que nosso sis...